Muitas
pessoas que estão começando a entrar em contato com o judaísmo e suas práticas
percebem que várias dessas práticas não se encontram na Bíblia. Isso pode trazer
algum desconforto, dependendo de qual era a religião anterior dessa pessoa.
Como sabemos, a religião protestante afirma que segue unicamente a Bíblia como
autoridade, e tem sempre acusado o catolicismo de ser uma religião “humana”, “inventora
de tradições” e coisas semelhantes. Certamente, um protestante deveria ter o
mesmo problema em relação à tradição judaica, o que muitas vezes não acontece
devido ao amor e identificação que muitos evangélicos atuais têm em relação aos
judeus, Israel e o judaísmo. Neste texto, que é apenas um esboço, uma rápida
coletânea de versículos, verificaremos se a tradição judaica, a chamada lei
judaica (halachá) é uma usurpadora da autoridade Torá Escrita, e se ela deve ou
não ser aceita por pessoas que creem na Torá.
1-
A Torá escrita não é clara o suficiente
quando enuncia os mandamentos. Exemplo:
a) Lembrança
e guarda do shabat (Ex 20, 8; Dt 5, 12) – Como cumprir estes mandamentos? A
Torá não diz!
b) Fazer
franjas nas bordas das vestes (Nm 15, 39) – Que vestes? Como seriam as franjas?
c) Certo
mês deve ser o primeiro dos meses (Ex 12, 2) – Que mês? Quem define mês?
Muitas outras interessantes ocasiões
como essas podem ser vistas na palestra de Sha’ul Bensiion: Halakhá, Torá e
Corte Mosaica¹
2-
Uma unificação na prática é necessária!
a) “Não fareis conforme a tudo o
que hoje fazemos aqui, cada qual tudo o que bem parece aos seus olhos.”
(Dt 12, 8)
b) “Também guardarás a festa das semanas, que é a festa das primícias da
sega do trigo, e a festa da colheita no fim do ano. Três vezes ao ano todos
os homens aparecerão perante o Senhor DEUS, o Deus de Israel;” (Ex 34, 22-23) – Deveria
aparecer cada um com uma intenção diferente? Com rituais diferentes, de acordo
com seu entendimento da Torá escrita?
c) “Uma mesma lei haja para o
natural e para o estrangeiro que peregrinar entre vós.”
(Ex 12, 49)
d) E
se os sacerdotes tivessem interpretações diferentes sobre o serviço no
tabernáculo? Cada um deveria interpretar por sua cabeça? Não ficaria um serviço
desordenado?
3-
Resposta ao uso de textos bíblicos como
suposta refutação à tradição judaica:
a) Acréscimos
à Torá escrita (Dt 4,2 e outros textos):
- Os utensílios e práticas ligados ao
templo, e não mais ao tabernáculo, não são supressões e acréscimos?
- Purim não é um acréscimo? (Et 9,
20-21)
- Neemias e Jeremias ordenaram contra o
transporte de cargas no dia de sábado. Onde está isso na Torá Escrita? (Jr 17,
22; Ne 13, 15-19)
b) Leis
de homens (Is 29, 13)
- A Torá Escrita institui o mandamento
de homens autorizados!!!: “E virás aos
sacerdotes levitas, e ao juiz que houver naqueles dias, e inquirirás, e te
anunciarão a sentença do juízo. E farás conforme ao mandado da palavra que
te anunciarem no lugar que escolher o Senhor; e terás cuidado de fazer
conforme a tudo o que te ensinarem. Conforme ao mandado da lei que te
ensinarem, e conforme ao juízo que te disserem, farás; da palavra que te
anunciarem te não desviarás, nem para a direita nem para a esquerda.” -
Dt 17, 9-11
- Mandamento de Mardoqueu – Et 9, 20-21
- Mandamento de Davi – II Cr 23, 18
- Mandamento de Salomão – II Cr 35, 4
O texto de Isaías 29, 13 fala que o
temor que o povo devotava a Deus estava sendo entendido como mandamento de
homens. O texto não condena instituições de homens autorizados a legislarem. E
se o texto estivesse fazendo isso, seria uma afirmação contra a Torá, como
vimos acima!
4-
Se alguém crê que a tradição legislativa
judaica (halachá) é abusiva e usurpadora, não tem razão para seguir como
costumes folclóricos hábitos instituídos por “usurpadores”, como:
a) Cobertura
da cabeça (kipá)
b) Kidush
c) Havdalá
d) Acendimento
das velas de shabat e outras festividades
e) Oração
judaica
f) Bênçãos
g) Sêder
de Pêssach
h) Lavagem
das mãos
i)
Chanucá e Purim (não são da Torá
escrita)
j)
Jejuns que não estão na Torá
k) Interpretação
rabínica da Torá
E
muitas outras práticas. Em alguns casos, as pessoas que se opõem à tradição
chegam mesmo a afirmar em bênçãos que Deus os escolheu e os santificou através
desses mandamentos rabínicos, em flagrante hipocrisia e brincadeira. Alguém
poderia defender esses hábitos como costumes. Mas isso não modifica sua origem!
Vêm da halachá!
5-
Considerações finais:
-
A Torá escrita contém lacunas e ambiguidades que impossibilitam sua prática
unificada, se não recorrermos a uma tradição fora da Torá Escrita.
-
A própria Torá Escrita prevê um componente humano no cumprimento da Lei!
-
Não há cumprimento de lei nenhuma unicamente a partir de uma constituição.
Legislações complementares e tribunais são necessários.
-
O próprio texto da Bíblia fala de acréscimos e “mandamentos de homens”,
recebidos pelo povo e que não podem ser vistos como transgressões à Torá.
-
É incoerente não acreditar na tradição judaica e praticá-la, pois se a tradição
é usurpadora, como posso manter como costumes as leis do inimigo?
-
A repulsa contra a tradição judaica e a supervalorização da Bíblia são hábitos
mentais protestantes que precisam ser desaprendidos pela pessoa que quer
cumprir a Torá.
-
É impossível seguir só o texto da Bíblia
-
Deve-se abandonar a “espiritualização” da Bíblia e voltar-se para a concepção
da prática religiosa como um sistema humano e coletivo de ações para
fazer a vontade de Deus.
-
Respeitemos as outras religiões! Nenhuma religião tem o “privilégio” de não ter
influência humana.
“As mitzvot (mandamentos) dadas a
Moisés no Monte Sinai foram todas dadas juntamente com suas explicações, como
sugerido por (Êxodo 24,12): "E eu lhes darei as tábuas de pedra, a Torá e a
mitzvá"."A Torá" refere-se à Lei Escrita; "A mitzvá",
à sua explicação. Deus nos ordenou que cumpríssemos "a Torá" de
acordo com "a mitzvá". "A mitsvá" é chamada de Lei Oral. Moisés,
nosso mestre, transcreveu pessoalmente toda a Torá antes de morrer. Ele deu um
rolo da Torá para cada tribo e colocou outro rolo na arca como um testemunho,
como Deuteronômio 31, 26 afirma: "Tome este rolo da Torá e coloca-o ao
lado da arca ... e ele estará lá como um testemunho. "A mitzvá" -
isto é, a explicação da Torá - ele não transcreveu. Em vez disso, ordenou-a aos anciãos, a Josué e
à totalidade de Israel, como está escrito (Deuteronômio 13, 1): "Tenha
cuidado para observar tudo o que eu prescrevo para você". Por esta razão,
é chamada a Lei Oral. Embora a Lei Oral não tenha sido transcrita, Moisés,
nosso mestre, ensinou-a inteiramente em sua corte aos setenta anciãos. Elazar, Finéias
e Josué receberam a tradição de Moisés...”- Maimônides,
Mishnê Torá, Introdução.
“Existem outros mandamentos que
foram instituídos após a entrega da Torá. Eles foram estabelecidos pelos
profetas e sábios para todo o Israel, por exemplo, a leitura da Meguilá (Ester),
Acendimento da vela em Chanucá, jejuar no Tish'á beav, eruvim, e lavagem das
mãos. (...) Somos obrigados a aceitar e observar todos estes mandamentos que os
rabinos instituíram, como implícito em Deuteronômio 17, 11: "Não se
desviem as instruções que eles lhe dão, para a esquerda ou para a direita".
Esses preceitos não são considerados como adições aos mandamentos da Torá. Então
qual seria a intenção da advertência da Torá (Deuteronômio 13,11): "Não
acrescente e não retire dela"? Que um profeta não é permitido a introduzir
uma nova medida e dizer que o Santo, bendito seja, ordenou uma nova mitzvá para
nós e que ela deve ser adicionada às mitzvot da Torá Escrita, ou dizer que Ele
ordenou que nós eliminássemos uma das 613 mitzvot mencionadas acima.
No entanto, se um tribunal,
juntamente com o profeta daquela época, acrescenta um mandamento como uma
ordenança, uma lição, ou como um decreto, isso não é considerado como uma
adição. Ele não está dizendo que o Santo, abençoado seja Ele, mandou-nos fazer
um eruv ou ler a Meguilá no seu tempo. Se ele dissesse isso, estaria
adicionando à Torá!
Em vez disso, estamos dizendo que os
profetas e os tribunais ordenaram e estabeleceram que a Meguilá fosse lida
no seu tempo para recordar o louvor do Santo, bendito seja Ele, a salvação que
Ele fez por nós e Sua resposta A nossos clamores, para que o abençoemos, o
exaltemos e informemos as futuras gerações da verdade da promessa da Torá
(Deuteronômio 4, 7): "Que nação é tão grande que tem Deus perto dela? ...”
Maimônides, Mishnê
Torá, Mandamentos Negativos.
_____________
¹
É uma riquíssima palestra em três partes.
Que texto bom, eu sai do cristianismo aos 18 anos hoje tenho 26, ate um tempo atras, não tinha nenhum interesse em conhecer mais nada que poderia ter um pé em uma religião, ate começar um interesse do nada pelo Judaísmo e querer entender melhor por que não aceitação dos judeus com jesus, começou como uma coisa sem compromisso, mais acabou me fazendo querer conhecer mais, se pretendo tentar uma conversão, acho que cedo de mais para pensar nisso, fico agradecido pelo seu post, fiquei interressado sobre o estudo da Torá irei olhar melhor :)
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