Hoje tive a oportunidade de assistir a um belo depoimento, indicado pelo amigo Felipe Moura, trazendo a história de vida de Lilia Tarawa, uma jovem que nasceu e viveu os primeiros anos de sua vida em uma comunidade religiosa fanática isolada do mundo "normal". Digo "belo" porque Lilia conseguiu superar a realidade de limitação e sofrimento que ela passou a presenciar, quando começou a se destacar na comunidade, e agora escreveu sobre sua vida e ajuda outras pessoas ao redor do mundo a não se deixarem manipular por pessoas ou sistemas.
Por meio deste link, você pode ver o vídeo da apresentação dela (procure como ativar as legendas): https://youtu.be/qS7mBbXxJYA
A seita (ou culto, do inglês cult) denunciada por Lilia Tarawa em sua apresentação é, pode-se dizer, de um tipo clássico, típico da realidade do século 20, quando foram denunciadas dezenas de seitas ao redor do mundo, algumas delas com consequências gravíssimas e trágicas, como aquelas lideradas por Charles Manson e Jim Jones. As histórias dessas seitas, assim como peças de ficção inspiradas nelas, podem ser vistas na Netflix, no Youtube e em outros lugares na internet. Basta pesquisar. Por esse motivo, não vou aqui dar detalhes das histórias das seitas do século vinte, que estou chamando de "seitas clássicas". Apenas vou listar algumas de suas características mais básicas e mais abordadas nas séries, filmes, documentários etc.: nas seitas clássicas (o que também é o caso da seita vivenciada por Lilia), dezenas ou centenas de pessoas são forçadas a viverem juntas, a noção de privacidade não existe, a liderança é rígida e existe um culto à personalidade dos líderes, castigos físicos e até drogas às vezes são presentes e, em alguns casos, como na seita "Children of God" ("Crianças de Deus"), o sexo em diversas de suas manifestações foi usado como ferramenta missionária e de controle mental das pessoas (por exemplo, os líderes engravidavam fiéis). Essas e muitas outras barbaridades evidentes foram suportadas por milhares e milhares de pessoas, sem contar coisas ainda piores, como o suicídio em massa, assassinatos e outras. Até hoje muitas pessoas se perguntam: o que leva um líder a ser tão popular a ponto de causar tamanho impacto na mente das pessoas?
Mas isso é falado em muitos outros lugares, há muito tempo. Em minhas reflexões hoje, percebi algo que já tenho muito claro para mim: as seitas clássicas e seus métodos explicitamente abusivos podem ser coisas do passado, mas a manipulação religiosa, inclusive na forma de estruturas rígidas e opressoras, está presente hoje em dia, e não estou falando de grupos ilhados/isolados, como os Hassídicos, abordados, por exemplo, na série "Unorthodox" ("Nada ortodoxa") da Netflix ou em filmes/documentários como "One of Us" (Um de nós -- vi na Netflix) e "Trembling before God" (Tremendo diante de Deus -- vi em inglês no Youtube). Não, caro leitor, o Hassidismo e as seitas isoladas cristãs e islâmicas não são o assunto deste texto. Existe um problema grave de cuja existência muitas pessoas sequer sabem, mas tem características muito parecidas às das seitas clássicas! Assustador? Espere até eu te dizer que esse problema está perto de você, nas casas e famílias de quase todos os brasileiros!
Isso mesmo! Às vezes a seita perigosa tem prestígio na sociedade e é aceita como válida e, na verdade, como algo que está contribuindo para o bem estar social! Os judeus ultraortodoxos, mencionados acima (Hassidismo), para conseguirem a continuidade de seus sistemas, mantêm ferrenhamente suas características próprias: as vestimentas tradicionais, a língua iídiche, o conceito de shomer neguia (restrições rígidas do contato homem-mulher na vida social) e o isolamento das mídias, da arte e da cultura exteriores. No entanto, as religiões fanáticas aceitas pela sociedade, falando português, vestindo-se mais ou menos como os de fora e participando dos mesmos locais de trabalho das outras pessoas, conseguem manter um forte controle mental (manipulação) de seus fiéis. A forma mais simples que eu encontrei para retratar isso foi mediante o esquema abaixo (peço perdão pelo tamanho da fonte e pela má elaboração, mas aí vai):
Vou tentar falar um pouco sobre a imagem. Nela, observamos diversos aspectos autoritários e estratégicos usados por religiões que têm prestígio na sociedade brasileira (não unicamente, mas principalmente igrejas evangélicas pentecostais). Uma boa parcela do povo brasileiro está nessas igrejas. Templos em que o obscurantismo (desencorajamento ao conhecimento), um clima de medo (medo de sair, medo da vida após a morte, medo do apocalipse etc.), os estímulos à limitação da vida social e um forte apelo à obediência são observados o tempo todo. Muitos fecharão a aba deste artigo agora, mas eles não podem mentir para si mesmos, se fizerem uma análise autêntica de suas biografias e do que está acontecendo nos templos que frequentam.
É natural que as pessoas recebam educação religiosa e sejam instruídas a "casarem dentro" da religião. Não estou dizendo o contrário disso. Mas a partir do momento em que percebemos as distorções e termos utilizados fora do contexto, como "jugo desigual", "não abandoneis a vossa congregação" e "ungidos do Senhor", é óbvio que existe um problema. Não é o caso agora, neste texto, mas as passagens bíblicas que contêm estas palavras não se referem ao que a liderança diz que se referem. A Bíblia (Antigo e Novo Testamento) não tem um sistema sofisticado de liderança religiosa, muito menos de controle dos membros. Em lugar nenhum! Se analisarmos a Bíblia de fato, veremos que as pessoas participavam de comunidades religiosas para estarem juntas, com a mesma fé, aprenderem e cumprirem determinados rituais (no caso do Antigo Testamento, sacrifícios e peregrinações, para citar dois exemplos).
Perceba que existe, no caso dessas religiões atuais, um sistema muito bem pensado de estímulos positivos e negativos (condicionamento) sobre as pessoas. Você não pode sair da igreja impunemente, criticar a liderança ou ter opiniões vistas como não tradicionais, porque vai haver consequências imediatas. A propósito, às vezes, nem em sua privacidade, em sua vida como adulto, você poderá exercer o arbítrio sobre o que você vai ou não fazer, como pessoa esclarecida. Já ouvi histórias reais sobre um líder que, pasmem!, repreendeu um casal casado (perdoem a redundância) por práticas sexuais deles que supostamente lhe foram reveladas! Nem na cama se pode escolher!
Eu mesmo já ouvi e vi mensagens de perseguição e desestímulo ao conhecimento repetidas vezes sendo pregadas de púlpitos de igreja! Mesmo quando o membro estuda, quando se acha especialmente intelectual, ele faz uma coleção de bíblias e livros, mas livros de sua denominação, sem questionamentos! Quando faz isso, é visando a uma vida de cargos e honrarias dentro do sistema. Se não se adequa, pensa por si só ou critica, recebe estímulos negativos, como críticas, perseguições e principalmente o uso distorcido de textos bíblicos. Como não fazem um real estudo livre e autêntico das Escrituras, a maioria dos membros nem percebem que estão sendo manipulados. Outros membros, que têm uma vida acadêmica (hoje existem muitos), são aceitos, mas
na maioria dos casos não questionam ou pregam nada revolucionário
Vou citar um exemplo mais concreto de manipulação dos textos bíblicos: bebida alcoólica! Está claríssimo pela Bíblia que as bebidas alcoólicas são permitidas dentro de um uso racional. Mas o que a liderança faz? Trata os membros como crianças que não podem pensar por si sós e proíbe. Na verdade, vão além! Mentem e dizem que a Bíblia proíbe!
Mas não, você não pode criticar ou pensar diferente. Jamais! Porque seu fim será sair do templo ou ficar calado. Se sair, você sentirá culpa por muitos anos (às vezes por toda a vida). Conheço pessoas que ficaram com as vidas paradas no tempo, estagnadas, após haverem saído! Ora, isso não é um claro indício de que essas igrejas usam artifícios perigosos dignos das seitas? Não gostaria de transformar este texto numa leitura biográfica, mas devo dizer que eu escrevo isso porque vivenciei na pele. Inclusive, quando me vi prestes a sair do sistema, por convicção dentro das Escrituras, cheguei a tremer e vi outras reações físicas em outras pessoas. Muitos se distanciaram de mim e de minha família, e assim continuarão até o fim.
Não, leitor, não é essa a maneira de servir a Deus. Não existe fundamentação na Bíblia ou na razão para construir um sistema de medo, um sistema hipócrita e falido, cheio de erros, para captar as pessoas! "Sirvam ao Senhor com alegria!" (Sl 100, 2). Só pude servir a Deus com alegria quando eu percebi que somos indivíduos, criados para a felicidade, a alegria de vida, e para sermos adultos, escolhendo o melhor, e não sendo vítimas de condicionamento em um templo errado!
Muitas coisas da sua vida podem estar sendo roubadas pelo sistema de mentiras, proibindo e limitando suas leituras, suas atividades de lazer, sua educação e seu convívio social. Os ensinos referentes à bebida alcoólica, à música secular, a roupas e outras coisas foram claramente pensados e calculados como forma inteligente de restringir socialmente as pessoas para dificultar a saída da igreja. Pense um pouco e verá isso. O judeu hassídico, ultraortodoxo, em sua comunidade fechada, fala outra língua, o iídiche. O pentecostal fala termos como "vaso", "varão" e "unção", sendo ridicularizado e ilhado socialmente por isso. O ultraortodoxo usa roupas longas, pretas e obsoletas; o pentecostal veste até o filho com roupas sociais e fica isolado e reconhecível. O ultraortodoxo não tem TV ou internet; o pentecostal fanático as tem e limita seu uso, mantendo mentalmente um padrão rígido de comportamento para não quebrar os limites impostos. Você pode apontar as semelhanças e diferenças?
Há uma saída para quem é vítima desse sistema -- esta é a boa notícia. Leva tempo para vivenciar uma vida de paz, mas ela será muito mais gratificante que os legumes do Egito, do cativeiro. É difícil ser livre. Às vezes é bom ter um sistema apontando o que fazer. Mas vale a pena pagar o preço da liberdade, para vivermos a vida que nos foi confiada por Deus, e não deixarmos que outros tomem isso de nós!
exelente artigo
ResponderExcluirEsse texto parece que foi todo para mim, que também sou ex-adventista do sétimo dia. Mas, infelizmente, essa é a realidade de todo religioso.
ResponderExcluirFico feliz em saber que você é um "ex do sistema". Por favor, divulgue nas redes sociais e para amigos esta postagem. Minha meta é tentar ajudar pessoas a verem esta realidade. Um abraço!
ExcluirMuito bom. Eu fui Testemunha de Jeová por muito anos. E é exatamente assim como apresentado no vídeo indicado. Não fazem isolamento social da maneira física. O isolamento (ou controle) é mental. Geralmente quando a pessoa percebe, já é tarde demais. Se tiver família nessa religião, é pior a sua saída. Você perde tudo. Ainda bem que estou livre. Se você for Testemunha de jeová, tenha coragem e saia. Esse sistema religioso é perigoso demais. Se estiver em outro sistema, tenha cuidado e estude onde está para saber se está em um tipo de seita que tem potencial para destruir a sua vida. Pelo amor de D'us, saia.
ResponderExcluirCom certeza, amigo, é uma das mais perigosas, infelizmente. Assim como as pentecostais.
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