Pular para o conteúdo principal

As consequências de ser um santarrão

Certo dia, entrei nas redes sociais e, em menos de cinco minutos, me deparei com duas notícias no mínimo escandalosas:

1- Pastor "homofóbico" nos EUA (pregador contra a homossexualidade) renunciou ao cargo após ser pego em site de encontros gays;

2- Aqui no Brasil: uma cantora evangélica (da igreja pentecostal mais conceituada) tirou um “selfie” em pleno ato sexual com o pastor de sua igreja (a notícia, cujo link não vou publicar porque contém as imagens, deixa bem claro que essa mulher está longe de ter sido a única a se envolver com o "líder espiritual").

É claro que isso não significa que a religião desses líderes seja imoral por si só e provoque esses abusos, NÃO! Mas uma coisa me chamou a atenção: esses líderes muitas vezes gritaram, certamente, palavras de reprovação e veemente condenação contra os atos que eles mesmos praticavam às escondidas, de forma desleixada e esnobe! Esse comportamento é típico das pessoas que ficam importunando quem não frequenta ou deixou de frequentar seus templos, dizendo que se não se converter de seus pecados vai arder no inferno, "pois Jesus está voltando". São os SANTARRÕES.

Um santarrão nunca percebe, mas quando ele fala da vida alheia, às vezes com calúnias, histórias mal confirmadas e julgamentos, ele está magoando as pessoas, afastando-as de si, em vez de ajudá-las. Se você frequenta uma igreja em que é comum haver santarrões, levanto um questionamento: quantas pessoas saíram de sua igreja nos últimos anos, debaixo de julgamentos da parte dos demais membros? O fanático brasileiro, como conhecemos, não se contenta em falar das pessoas que não são de sua religião: ele fala também dos que são das outras igrejas! Sempre tem o que dizer sobre as crenças de seus próprios semelhantes, e é o primeiro a saber que fulano acredita em uma “heresia”. Algumas dessas ‘vítimas’ certamente estão magoadas e tristes com o posicionamento de seus “irmãos”, não é mesmo?  Você já havia pensado na situação por esse ponto de vista?

Nem mesmo a Bíblia fala apenas de coisas religiosas!
Pois é, amigo! O “santarronismo” (um tipo de fanatismo religioso) gera alguns frutos bastante negativos para muita gente, além de ser bastante desagradável em qualquer tipo de relação. Quem (dos “normais”) quer estar na companhia de uma pessoa que só consegue falar sobre religião? Quem quer ser amigo de alguém que fala o tempo todo que “o fim do mundo está aí”, e até quando o assunto são fatos do cotidiano solta, em cada frase, uma expressão religiosa? Se você está se enxergando nessas descrições, certamente sente um desconforto ao falar de assuntos “comuns” (não-religiosos), com as pessoas não-religiosas, não é? Você já pensou que O ERRO PODE ESTAR EM VOCÊ, E NÃO NAS OUTRAS PESSOAS?
É normal que o ser humano fale sobre assuntos de seu dia-a-dia! O que pode haver de errado nisso? Por que motivo só podemos falar sobre nossas crenças, sobre o fim do mundo e sobre a Bíblia? A propósito, tenho uma coisa surpreendente para te dizer: A Bíblia não fala apenas de assuntos religiosos!

Alguns assuntos “não-religiosos” da Bíblia:

Boa parte dos versículos abaixo está no livro de provérbios, que nada mais é do que uma coletânea de ditos populares sobre diversos assuntos.

1-     Saúde: “Coração bem disposto é remédio eficiente, mas o espírito oprimido resseca os ossos.” (prov. 17, 22)

2-    Dinheiro: “Pois a sabedoria é uma proteção, assim como o dinheiro é uma proteção.” (Ecl. 7,12)
“O rico domina o pobre, E quem toma emprestado é escravo de quem empresta.” (Prov. 22, 7)
“Os planos do diligente certamente dão bons resultados, mas todos os precipitados acabarão na pobreza” (idem, 21, 5)

3-    Apego à terra: “Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, esqueça-se a minha direita da sua destreza. Se me não lembrar de ti, apegue-se-me a língua ao meu paladar; se não preferir Jerusalém à minha maior alegria”. (Sal. 137, 5-6)

4-    Sobre o amor e o casamento: “Quem encontra uma esposa encontra algo excelente; recebeu uma bênção do Senhor.” (Prov. 18, 22)
“Melhor é viver solitário, num canto sob o telhado, do que repartir a casa com uma mulher briguenta.” (idem, 25, 24)

Veja-se também o livro chamado “cântico dos cânticos”, inteiramente dedicado aos casais e ao amor.

5-    Sobre a história de Israel
Você sabia que há livros históricos na Bíblia que não citam nem o nome de Deus? Ester é um deles. Muitos livros da Bíblia dedicam-se inteiramente à história do povo hebreu.

6-    Sobre diversão (!!!): “Por isso louvei a alegria, porque não há nada de melhor para o homem, debaixo do sol, do que comer, beber e se divertir; possa isto acompanhá-lo no seu trabalho, ao longo dos dias que Deus lhe outorgar debaixo do sol.” (Ecl. 8,15)
“Ora, pois, come alegremente teu pão e bebe contente teu vinho, porque Deus já apreciou teus trabalhos.” (idem, 9, 7)

Por favor, leia mais sobre esse assunto no artigo Beber e fumar são pecados??? 

Ué, mas nós não temos que ser santos?  É uma das perguntas que o leitor deve ter feito, diante da hipótese de o seguidor da Bíblia “poder fazer tudo”. Para sanar essa dúvida, vamos analisar o que é santidade, no contexto bíblico:

A palavra “santo” na Bíblia não significa SANTARRÃO!

“Sede santos, porque Eu sou santo” (levítico 20, 7) é um dos lemas mais conhecidos dos religiosos. Todos os argumentos que eu possa dar e fundamentar com textos da Bíblia no sentido de afirmar que o adorador do Deus Único não é em nada diferente dos demais seres humanos CAEM POR TERRA, na cabeça de um religioso, diante desse simples imperativo; afinal de contas, ser santo é ser sobre-humano, ser uma espécie de anjo, não ter pecados, ser “espiritual”, em oposição a ser “carnal”, ou pelo menos BUSCAR essas coisas, não é verdade?

Não! A palavra “santo” não quer dizer nada disso! Vamos com calma. O que é Santo, na Bíblia?

·        Povo santo (Deuteronômio 7, 6)
·        Deus santo (Salmo 99, 9)
·        Dia santo (Isaías 58, 13)
·        Pessoa santa (Números 6, 5)

Bem, se santo quer dizer “ser espiritual”, “angelical”, não-natural, até podemos entender como é ser uma “pessoa santa”: podemos imaginar um franciscano que se separa de todos os prazeres e comportamentos de uma pessoa natural. Mas como imaginar um DEUS SANTO, se Deus JÁ É espiritual, não-natural? O que, afinal de contas, quer dizer a palavra santo?

Sabemos que a palavra santo, em hebraico, é qadoch (ou kadosh. O importante é em letras hebraicas: קָדוֹשׁ ). Essa palavra tem o sentido de separado, distinto, à parte, e não deve ser entendida como “à parte da natureza”, e sim como “diferente”, de costumes distintos. O povo de Israel não era sobrenatural, “espiritual”, enquanto os demais eram “carnais”; a diferença estava nos COSTUMES: estes tinham dezenas de deuses, sacrifícios humanos, prostituição sagrada etc., enquanto os filhos de Israel deveriam ser diferentes, deveriam “não andar nos caminhos dessas nações” (levítico 20, 23).

É isso que significa ser santo! Deus santo é um Deus que é diferente da natureza, criador, e não criatura. Mas nós NUNCA SEREMOS CRIADOR, somos criatura! Não seremos de uma matéria mais “transparente” e angelical que essa de que somos feitos, só porque aderimos a essa ou àquela religião! Sermos santos é não sermos idólatras, não sermos “ordinários”, termos pureza de costumes, o que se consegue sendo PÉ NO CHÃO, não em congressos e retiros “espiritualóides”. Em outras palavras: que espiritualidade é essa que temos em uma noite de retiro, chegamos a sentir os pés fugirem do chão, de tanta emoção e “santidade”, mas que não é capaz de modificar nosso comportamento nos demais dias, precisando ser renovada?! Não, amigo! Deus deu uma Lei e ensinamentos para pessoas como quaisquer outras, NESSE MUNDO, para que essas pessoas entrassem pelo caminho certo, tivessem uma espiritualidade baseada no DIA-A-DIA, na simplicidade da vida do quotidiano! A lei NÃO ESTÁ NOS CÉUS, não foi feita para anjos, e sim para nós mesmos, criaturas humanas (Deut. 30, 12)!

A palavra QADOCH (קדוש) significa apenas separado, diferente, distinto. Exemplo: dia sant
"Qadoch ou Qedechá?"
o (o sábado) é apenas um dia extra-ordinário. Povo santo é apenas um povo distinto, de costumes diferentes dos idólatras, e não uma coisa "espiritual", pisando nas nuvens. A palavra "profano" também é mal entendida. Profano não quer dizer "do mal", sujo. É apenas o que não é santo, o que é comum. Qualquer dúvida procure no dicionário. Para você perceber o quanto "santo" não quer dizer espiritual, QADECH e QEDECHÁ (palavras da mesma origem de QADOCH) significam... PROSTITUTO E PROSTITUTA!!! Pessoas SEPARADAS, postas de lado, para a prostituição! Consulte, para confirmar essa informação, o Dicionário Semântico do Hebraico Bíblico. 

Não devemos, portanto, sentir a necessidade de sermos TOTALMENTE diferentes das demais pessoas, dos homens de carne e osso, porque é isso que nós somos! É bastante problemático ser um fanático, que se isola dos “pecadores”, porque o ser humano precisa viver em sociedade. Como amaremos de fato o nosso próximo, se só conseguimos vê-lo como um pecador? Há algo de muito perigoso nesse estilo de vida! Os sábios judeus que dedicaram suas vidas ao estudo das escrituras nos apresentam outro problema grave de quem é Santarrão, além do prejuízo para a vida social. Vejamos:

É PECADO SER SANTARRÃO!

O rabino, filósofo e médico Moisés Maimônides (1138 – 1204) nos ensina, no Michnê Torá, Leis de comportamento 3, 1-4 que

“Alguém pode dizer: ‘se a carnalidade e a busca por honrarias e coisas parecidas são um caminho errado e tiram a pessoa do mundo, eu devo me separar delas ao máximo e me distanciar delas até o extremo oposto’. Por exemplo: não comer carne, não beber vinho, não desposar mulher, não viver em uma casa agradável, não vestir roupas agradáveis, mas, ao invés disso, vestir saco ou lã rústica ou coisas parecidas, exatamente como fazem os sacerdotes pagãos. Isso também é um mal caminho e é proibido segui-lo. Qualquer que seguir esse caminho é chamado um PECADOR, pois assim está escrito acerca do nazireu (Números 6, 11): "Expiará sobre ele pelo que pecou no tocante a sua alma". Os sábios disseram: "Se o nazireu, que se abstém somente de vinho, precisa de expiação, quanto mais a pessoa que se abstém de tudo! Portanto, nossos Sábios recomendam que o homem se abstenha apenas das coisas que a Torá proíbe, e que não esteja proibindo a si mesmo coisas por votos e juramentos. Assim, nossos Sábios afirmaram: As coisas que a Torá proibiu não são suficientes para que você proíba outras coisas?
Esta declaração geral também se refere àqueles que estão continuamente jejuando. Eles não estão seguindo um bom caminho. Os nossos sábios proibiram um homem de mortificar a si mesmo pelo jejum. A todo o exposto, e semelhantes, Salomão proibiu e disse: "Não sejas demasiadamente justo e não sejas excessivamente sábio, para que se destruir? (Ecl. 7, 16)".

Moisés Maimônides
Pouca gente percebe, mas o nazireu— como notou o sábio rabino sefaradita—quando terminava o período de seu voto, oferecia um sacrifício para obter a expiação por viver uma vida de abstenção e renúncia! Para que alguém vai se separar de prazeres LEGÍTIMOS, que Deus criou para nós? Fazendo uma comparação: se nossos queridos amigos nos dão presentes para nossa satisfação e alegria, como eles reagiriam se soubessem que não os usamos, pelo contrário, não gostamos, dizemos que não servem para nós e jogamos no lixo? É uma situação no mínimo desagradável!

É impressionante como as pessoas inventam suas regras morais para si mesmo e julgam as demais. Escrevi um artigo para este blog falando sobre a questão do vinho na Bíblia, mostrando que a bebida nunca foi proibida pelas escrituras, e que os personagens da Bíblia bebiam e elogiavam o vinho como fonte de alegria e prazer. O que fizeram alguns visitantes? Não leram nada, não viram que citei um monte de versículos e vieram me dizer que isolei textos bíblicos e não li direito certas passagens das escrituras, que eles postaram para provar que o vinho é totalmente proibido. Curiosamente as mesmas passagens que eles citaram estavam inteirinhas na minha postagem, sendo explicadas e contextualizadas! Ou seja: não se trata de O QUE ESTÁ NA BÍBLIA, e sim DO QUE OS SANTARRÕES QUEREM QUE ESTEJA! Afinal de contas, eles não querem ser contados como seres do mesmo nível que os demais, querem ser superiores ao resto das pessoas. Diga-me: Como é que uma pessoa que pensa assim pode afirmar que AMA O PRÓXIMO, e mais: COMO A SI MESMO?

Não posso concluir esses parágrafos sem dizer mais uma verdade: muita gente que está fora das congregações dos santarrões e sabe-tudo está melhor espiritualmente que eles, mas os santarrões se pretendem com um COLETE À PROVA DE INFERNO, só porque têm nome de crente. Eu e os demais temos que nos arrepender, eles não! Na cabeça deles, Deus pega mais pesado comigo, só porque não sou da religião deles! Hipócritas! Leram a Bíblia 40 vezes, mas não serviu por uma única vez!

"Quem pode dizer: purifiquei o coração, estou limpo do meu pecado?"
Provérbios 20, 9

Tem gente que tem urgentemente que se arrepender... de seu FANATISMO RELIGIOSO!


Comentários

  1. Parabéns pelo post. Meu nobre eu me sentia e agia de uma forma de santarrão pois me ensinaram que eu devia me abster de certos alimentos como carne e leite e outros. A observar um dia sagrado enclausurado em casa ou passando o dia inteiro na igreja. Isso causou-me muitos males. Passei a estudar detidamente os caminhos e ensinos de Jesus de como ele vivia e se relacionava com outros (pecadores). Daí em diante me despi das vestes santarronas e viver como cristo. Sem fanatismo religioso.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigado, amigo! EU também já fui assim. Que bom que nós vislumbramos o caminho certo! Abraço!

      Excluir
  2. Muito obg por mim ensinar eu era um desses

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Qual religião segue 100% a Bíblia?

          “Não deveria haver religiões, igrejas, formas diferentes de ver Deus, já que só existe uma Bíblia!”. Quem nunca ouviu essas palavras? Talvez o próprio leitor já tenha pensado nessa afirmação, ao se deparar com a realidade das brigas entre as religiões. Este artigo tem como objetivo estudar a visão que diferentes religiões têm em relação à Bíblia, para concluir se há alguma religião que segue de fato a Bíblia como única coisa que tem autoridade para a fé e prática do crente. Na primeira parte, citaremos brevemente as principais religiões que dizem crer na Bíblia ou parte dela (islã, catolicismo, judaísmo e protestantismo), e explicaremos qual é a visão de Bíblia que cada uma dessas religiões tem. Em seguida, nós analisaremos de modo independente de religiões se a Bíblia possui ou não lacunas e ambiguidades que precisem ser resolvidas pelo homem.   Veremos também o que a Bíblia diz de si mesma e de seu autor. A Bíblia diz que ela é o “manual para todos os assuntos”? Ela diz

Gênesis 3,15 jamais foi o "Protoevangelho"!!

"E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar" (Gênesis 3, 15, ACF). Este versículo do terceiro capítulo da Bíblia foi, ao longo da história do Cristianismo, frequentemente usado como forma de indicar profecias sobre Jesus e seu trabalho redentor desde os primórdios do Antigo Testamento. Neste contexto, este versículo é chamado pelos teólogos cristãos de "Protoevangelho", ou seja, o "antigo evangelho", "o evangelho primordial", sendo que evangelho significa "boas notícias". A proposta deste blogue, porém, é ler o Antigo Testamento em seu contexto original, levando em consideração o que o próprio texto como um todo está dizendo, e não o que textos posteriores ou tradições religiosas disseram sobre ele. A pergunta deste pequeno artigo em particular é: se lermos Gênesis 3 em seu contexto, fica claro que o texto é uma referência a eventos relacio

Deuteronômio 18, 15 NÃO FALA sobre UM PROFETA em particular!

A palavra "um" pode ser classificada gramaticalmente como duas coisas. Lembra quais? Acertou quem disse NUMERAL e ARTIGO INDEFINIDO. Para quem não está tão afiado em gramática, vou revisar: artigos são aquelas palavras que vêm antes do substantivo, determinando-o ou indeterminando-o. Há dois tipos de artigo: DEFINIDO e INDEFINIDO. Os artigos DEFINIDOS são O, A, OS e AS, e servem para determinar o substantivo. Se eu disser, por exemplo, que a bola está atrás d a porta, só pode ser uma porta que o meu interlocutor SABE QUAL. Os artigos indefinidos são UM, UMA, UNS, UMAS, e servem para INDETERMINAR o substantivo. Vou citar um exemplo que considero claro: se eu disser: "há buracos no telhado. Deve ter sido obra de um gato", esse UM não é um numeral, porque não estou PRECISANDO A QUANTIDADE DE GATOS que pisaram o telhado, e sim "chutando", dizendo que qualquer gato pisou o telhado, ou que gatos o fizeram. Por que eu ministrei toda essa aula grama